O aluno deverá utilizar o texto a seguir como fonte de consulta para a realização do Exercício Avaliativo 3, em 21/jun/2018.
Texto extraído de: O Comitê de Bacia
Hidrográfica: o que é e o que faz? / Agência Nacional de Águas. -- Brasília:
SAG, 2011. 64 p. : il. -- (Cadernos de capacitação em recursos hídricos ; v.1)
Os
conflitos pelo uso da água não surgiram hoje e são recorrentes em toda a
história da humanidade; o que se modifica é a forma como as sociedades se
organizam para enfrentá-los. A água doce é recurso vital para sobrevivência das
civilizações e, em casos de escassez, constitui-se como fator limitante na
implementação de atividades econômicas típicas das sociedades modernas.
A
intensificação do uso da água, causada pela ampliação da produção de alimentos
e demais bens de consumo, provocou problemas ambientais ameaçando, inclusive,
sua conservação.
No
Brasil, há alguns exemplos de como a falta de planejamento e gestão tem
colocado em risco os usos múltiplos da água. O Rio Salitre, no estado da Bahia,
afluente do Rio São Francisco, devido à intensificação da captação de água para
atendimento a projetos de irrigação, em determinados períodos do ano, tem toda
a sua vazão comprometida, exigindo uma derivação das águas do Rio
São Francisco para atender outras demandas.
Outro
exemplo é o Rio Tietê, em São Paulo. A partir da década de 1940, com a
industrialização crescente da capital paulista e do seu entorno, acompanhada
pelo aumento populacional, o rio sofreu um processo de degradação ambiental
resultante do lançamento de efluentes domésticos e industriais.
Em São
Paulo, há ainda o caso do Sistema Cantareira que abastece cerca de 9 milhões de
pessoas por meio da transposição de águas das Bacias dos Rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí para a Região Metropolitana (RM) de São Paulo. O crescimento
desordenado da metrópole paulista teve como consequência a necessidade de
transposição de água de outras bacias, gerando conflito com as bacias doadoras.
Em 2004, no processo de renovação da outorga de direito de uso do
Sistema Cantareira, foram firmados acordos definindo regras de uso para as
partes, metas de redução de perdas de água e medidas compensatórias para as
bacias doadoras, tais como: implantação de sistemas de tratamento de esgotos e
programas de racionalização do uso da água e educação ambiental.
Isso
ocorreu após intensos debates entre as partes envolvidas: comitês das bacias
doadora e receptora, órgãos gestores de recursos hídricos, Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que é o principal usuário
das águas transpostas.
Já no
Sul do Brasil, há o exemplo da Bacia do Rio Itajaí, região propensa a problemas
de enchentes. Com a extinção do antigo Departamento Nacional de Obras de
Saneamento (Dnos), em 1990, a manutenção das estruturas de contenção de cheias
foi gradativamente abandonada pelo poder público, fato que gerou a mobilização
da sociedade local para resolução do problema. Tal mobilização culminou com a
criação do Comitê de Bacia do Rio Itajaí.
Por
falar em enchentes, essa questão está entre as mais urgentes da Bacia do Rio
Doce pelas proporções que tem assumido, pelo rastro de problemas sociais que
deixa e pela vulnerabilidade que a bacia apresenta a eventos críticos
recorrentes, agravados ano após ano pelo desmatamento e pela ocupação indevida
do solo, ações antrópicas que deflagram processos erosivos indesejáveis.
Voltando
ao Nordeste, pode ser citado o caso do estado do Ceará, que tem quase todo o
seu território em região semiárida e que depende de açudes para perenização
de seus rios. Em 2001, diante de um cenário extremo de seca no Vale do
Jaguaribe, houve a necessidade de adoção de um plano de racionamento de uso de
água no setor de irrigação. O plano (construído em conjunto por diversos órgãos
envolvidos com a gestão de recursos hídricos) estabeleceu mecanismos para
enfrentar a escassez de água na bacia, com a introdução de compensações
técnico-financeiras para incentivar a substituição da cultura do arroz por
culturas de menor consumo de água e garantir esse insumo para abastecimento às
populações. A experiência aumentou o nível de conscientização da sociedade para
importância da gestão da água.
Diversos
outros exemplos poderiam reforçar a necessidade de criação de arranjos
institucionais que promovam o acordo entre os setores usuários com as políticas
públicas e com as múltiplas visões da sociedade civil para a adequada tomada de
decisão sobre o destino das águas – os comitês de bacia fazem parte desses
arranjos. Para se entender melhor tal proposta, será feita, a seguir, a
reconstituição do contexto e das forças que permitiram essa nova forma de
organização para gestão das águas.
Há a necessidade de criação de arranjos institucionais que promovam o
acordo entre os setores usuários com as políticas públicas e com as múltiplas
visões da sociedade civil para adequada tomada de decisão sobre o destino das
águas.
DIFERENÇA
ENTRE COMITÊS DE BACIA E OUTRAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO
As
experiências de participação social na gestão pública brasileira tornaram-se
mais frequentes a partir do fim da década de 1980 e, principalmente, na década
de 1990 por conta do processo de redemocratização ocorrido no País. pioneiros
na forma de atuação de um conselho de cunho governamental, pois incluiu
representantes da sociedade civil na sua composição.
A Lei
nº 6.938/1981, que estabelece a Política
Nacional do Meio Ambiente e constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente
(Sisnama), consolida esse processo de participação social na gestão ambiental
quando cria o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), composto por membros
dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como por representantes da sociedade
civil organizada.
A
estratégia de inclusão de setores sociais em processos participativos de gestão
pública pode ser considerada tanto uma conquista desses setores quanto
alternativa de gestão mais eficiente (NOGUEIRA, 2005). De tal movimento
resultou a criação de diversas estruturas institucionais que permitiram essa
maior participação, sobretudo, após a Constituinte, quando foram criados
diversos Conselhos de Políticas Públicas nas áreas de saúde, assistência
social e, de forma mais recente, na área de meio ambiente.
Trata-se
de espaços privilegiados de negociação entre os atores interessados em determinada
política. O orçamento participativo, por exemplo, iniciado em 1989, em Porto
Alegre, e em 1993, em Belo Horizonte, permitiu a participação direta dos
moradores na definição de parte do orçamento municipal. Outro exemplo de
participação direta são os Planos Diretores Municipais, hoje denominados Planos
Participativos Diretores Urbanos (AVRITZER, 2008), que passam a ser elaborados
a partir da década de 1990.
Os
planos diretores são instrumentos de planejamento de uma cidade que tratam
sobre a política de desenvolvimento, o ordenamento territorial e a expansão
urbana.
COMITÊ
DE BACIA: UMA NOVA FORMA DE PARTICIPAÇÃO
As
diversas formas de participação são importantes para construção de uma
sociedade democrática. Entretanto, algumas formas de participação são apenas consultivas,
ou seja, funcionam como uma instância de consulta à sociedade podendo suas
decisões ser, ou não, implementadas.
Eis a
diferença: os comitês de bacia hidrográfica diferem de outras formas de
participação previstas nas demais políticas públicas, pois têm como atribuição
legal deliberar sobre a gestão da água fazendo isso de forma compartilhada
com o poder público.
A isso
se chama poder de Estado, tomar decisões sobre um bem público e que
devem ser cumpridas. O comitê passa, então, a definir as regras a serem
seguidas com relação ao uso das águas. Aos órgãos gestores de recursos hídricos
cabe fazer que essas regras sejam postas em prática por meio do seu poder de
regulação.
ESPAÇO
PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS E DE
ESTABELECIMENTO
DE REGRAS PARA O USO DA ÁGUA
Uma das
atribuições mais relevantes dos comitês é estabelecer um conjunto de mecanismos
e de regras, decididas coletivamente, de forma que os diferentes interesses
sobre os usos da água na bacia sejam discutidos e negociados democraticamente
em ambiente público, com transparência no processo decisório, buscando prevenir
e dirimir conflitos. Essas regras devem ser avaliadas sob o aspecto da bacia
hidrográfica, depois de considerados os aspectos técnicos e os diferentes
pontos de vista dos membros do comitê.
QUAL O
PODER DE DECISÃO DO COMITÊ DE BACIA?
A
principal decisão a ser tomada pelo comitê é a aprovação do Plano de
Recursos Hídricos da Bacia. Esse instrumento constitui-se no plano diretor
para os usos da água. No plano devem ser definidas metas de racionalização de
uso para aumento de quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos
disponíveis, bem como os programas e os projetos destinados ao atendimento
dessas metas. No plano são definidas também as prioridades para outorga de
direito de uso da água, estabelecidas as condições de operação dos
reservatórios, além de orientações e regras a serem implementadas pelo órgão
gestor de recursos hídricos na concessão das outorgas. No plano também estarão
as diretrizes e os critérios para cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Enfim,
o plano, como principal instrumento de deliberação do comitê, reúne as
informações estratégicas para gestão das águas na respectiva bacia
hidrográfica.
ATRIBUIÇÕES
DOS COMITÊS
A
inclusão dos comitês, como instâncias de gestão de recursos hídricos de uma
bacia hidrográfica, se deu em um contexto de mudanças estruturais do Estado nas
décadas de 1980 e 1990. Foi resultado, dentre outros fatores relevantes, do
processo de mobilização social incrementado com a redemocratização do País.
A
participação social e a representação no âmbito do comitê permitem a negociação
sobre o uso da água em uma esfera pública até então inédita na gestão das águas
no País. O comitê tem poder deliberativo e deve ser composto por representantes
da sociedade civil e dos usuários, além do poder público. Trata-se de uma
experiência nova, com forte conotação técnica e política, cujas premissas e
competências serão objeto de apreciação mais detalhada (quadro 1).
A
principal competência de um comitê é a de aprovar o Plano de Recursos
Hídricos da Bacia Hidrográfica. Esse plano, cujo conteúdo mínimo
encontra-se definido no artigo 7º da Lei nº 9.433/1997 e regulamentado pela
Resolução nº 17 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), de 2001, constitui-se no instrumento
da Política Nacional de Recursos Hídricos cuja prerrogativa legal é exclusiva
do comitê. O plano funciona como instrumento que orienta os usos das águas da
bacia. É construído a partir de bases técnicas que avaliam:
•
condições de disponibilidades e de demandas de água;
•
repercussões das demais políticas públicas sobre as águas;
•
prospecção futura dos usos;
•
propostas para criação de áreas sujeitas a restrições de uso, com vistas à
proteção dos recursos hídricos (áreas de recargas de aquíferos e de
nascentes, por exemplo); e
•
programas e projetos a serem implementados para solução física e para ações
reguladoras que garantam o cenário pretendido pelo comitê para determinada
bacia.
Destaque
deve ser dado aos aspectos técnicos que a legislação definiu para o plano, o
qual, aprovado, estabelece condições a serem garantidas para as atividades dos
usuários pelos órgãos responsáveis pela regulação do uso das águas. A
legislação determina que o plano deve:
•
apresentar as metas de racionalização de uso, o aumento de quantidade e a
melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis;
•
estabelecer as condições de operação dos reservatórios; e
•
definir as prioridades de uso para efeito de concessão da outorga de direito de
uso de recursos hídricos.
As
regras definidas no plano devem orientar a atuação da regulação quando do
estabelecimento dos critérios de outorga a serem adotados pelos órgãos gestores
com relação aos diversos usos.
É dever
do comitê, além de aprovar o plano, acompanhar sua implementação para
garantir a efetivação das metas nele estabelecidas, bem como a realização dos
programas nele priorizados. Para tanto, é necessária a existência de mecanismos
que possibilitem tais atividades.
As
agências de água e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos são alguns dos
meios com que devem contar os comitês no acompanhamento e na implementação do
plano. Por falar em cobrança, a aplicação dos recursos arrecadados é
definida pelo comitê, com base nas orientações do plano, para utilização desses
recursos.
Observa-se
que os usos da água são muitas vezes concorrentes e que a água que está
reservada para a agricultura pode comprometer a navegação, ou mesmo a geração
de energia e que o somatório desses usos pode ameaçar a manutenção do
ecossistema aquático. Para prevenir conflitos, o comitê deve promover o debate
e articular a atuação das entidades envolvidas.
Caso os
conflitos não consigam ser evitados, é também o comitê que atua como árbitro,
em uma primeira instância administrativa[i].
Essa arbitragem se dá de forma participativa.
Quem
decide sobre o conflito é o “coletivo”, conforme as regras definidas no
regimento interno do comitê. Portanto, instaurado um conflito, auxiliado por
estudos técnicos sobre a questão, cabe ao plenário do comitê definir a
prioridade do uso e a solução da contenda. Ou seja, partindo de uma base
técnica de avaliação do conflito, é realizada a avaliação política pelo comitê.
De forma pública, transparente e democrática.
Essas
decisões, no entanto, podem ser revistas pelo próprio comitê, ou recorrendo-se
aos conselhos de recursos hídricos, em última instância administrativa,
conforme o domínio das águas em disputa.
Se cabe
ao comitê a arbitragem, o que compete aos órgãos gestores de recursos hídricos?
A
regulação, o poder de polícia, a implementação da decisão: eis sua função
objetiva no cumprimento da decisão pública. Cabe ressaltar que, como o alicerce
da Política Nacional de Recursos Hídricos é um sistema de gerenciamento – o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) –, é necessário que os
órgãos gestores de recursos hídricos estejam bem preparados para exercer não só
as funções há pouco descritas, mas todas aquelas que lhes cabem. Para que as
decisões dos comitês sejam efetivas e o Singreh funcione de forma plena, é
imprescindível que os órgãos gestores estejam adequadamente estruturados.
Outras
atribuições relevantes dos comitês, porém, que necessitam da aprovação dos
conselhos de recursos hídricos competentes, são: o estabelecimento de propostas
sobre usos não outorgáveis ou de pouca expressão; e a proposição de alternativa
de enquadramento dos corpos d’água, que nada mais é do que o estabelecimento
de meta ou o objetivo de qualidade de água (classe) a ser alcançado ou mantido
em um segmento de corpo d’água, de acordo com os usos preponderantes
pretendidos, ao longo do tempo.
Além
dessas atribuições, o comitê deve ser o fórum em que se promova o debate das questões
relacionadas a recursos hídricos e a articulação das entidades intervenientes. Essa
atribuição será cada vez mais importante com a melhoria da representatividade e
da legitimidade de seus representantes. Esse é um desafio a ser superado a cada
processo eleitoral do comitê.
O
quadro 1, abaixo, apresenta as atribuições dos comitês de bacia previstas em
lei.
Quem
apoia a construção de propostas a serem debatidas nos comitês?
Apesar
de serem entes de Estado, os comitês de bacia não possuem personalidade
jurídica, ou seja, não têm Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), pois
suas competências são de cunho deliberativo, propositivo e consultivo, e não
executivo. Para tanto, a legislação criou a figura da Agência de Água, ou Agência
de Bacia[ii],
para dar o suporte técnico ao comitê exercendo, entre outras, a função de
secretaria-executiva. No entanto, essa mesma legislação estabeleceu que a
agência somente será criada quando houver viabilidade financeira de suas
atividades assegurada pela cobrança pelo uso das águas em sua área de atuação.
A cobrança somente tem sido implantada após muito debate na bacia e em poucas
delas se efetivou.
Em
função da inexistência de agências de água (a quem são remetidas, dentre
outras, as competências pela apresentação de propostas técnicas), cria-se uma
dificuldade operacional aos comitês: quem fará as propostas técnicas para
embasar essas decisões? Sem estudos técnicos, como os comitês poderão cumprir
suas atribuições?
Ou
seja, percebe-se aqui uma dificuldade inicial para implantação do Singreh: não
se avança na gestão porque não há estudos técnicos; não se têm estudos técnicos
porque não se avança na implementação dos instrumentos de gestão. Esse problema
tem sido superado, em parte, quando os órgãos gestores de recursos hídricos
disponibilizam os estudos. O fato é que a implantação da cobrança pelo uso da
água e a instalação da Agência de Água colaboram fortemente para que o comitê
exercite suas atribuições de forma plena.
Isso
quer dizer que sem sua Agência de Água o comitê não pode exercer suas
competências? Absolutamente. Como foi dito, a gestão de recursos hídricos no
Brasil é baseada em um sistema em que todos os entes que o compõem devem atuar
em cooperação, de forma coordenada e articulada. Cabe aos órgãos gestores, como
organizações responsáveis pela implementação da política de recursos hídricos,
apoiar os comitês no exercício de suas atribuições, mesmo na inviabilidade da
criação das agências de água – fato que pode estar presente em grande número de
bacias brasileiras.
[i] Primeira
Instância Administrativa: O comitê é o primeiro órgão
administrativo a ser acionado em situação de conflito pelo uso da água. Caso o
conflito não seja dirimido pelo comitê ou caso a decisão não atenda a alguma
das partes envolvidas, cabe recurso ao Conselho de Recursos Hídricos
pertinente, como segunda instância administrativa, hierarquicamente superior ao
comitê. Há sempre a possibilidade de se recorrer a instâncias judiciais,
lembrando que essas têm trâmite diferenciado das instâncias administrativas.
[ii] A Lei nº 9.433/97 introduziu a figura das
Agências de Água que, na maioria das legislações estaduais de recursos
hídricos, são denominadas como Agências de Bacia. Em ambos os casos (União e
estados), as agências têm competências bastante semelhantes, de caráter
eminentemente técnico e executivo.
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