segunda-feira, 28 de julho de 2014

O São Francisco já é um rio intermitente


Roberto Malvezzi (Gogó)

Embora não tenha cortado totalmente seu fluxo de água, o São Francisco já é praticamente um rio intermitente.
A atual defluência – saída de água rio abaixo - da represa de Três Marias, em Minas Gerais, é de 150 m3 por segundo (sic!). Não se espantem, é essa mijada de gato. Portanto, um fiapo de água para o que já foi o grande Rio São Francisco (CBHSF).
Essa realidade é visível a olho nu em municípios como Pirapora. Até a extração de água para abastecimento humano das cidades ribeirinhas já está comprometida. Se formos fala em navegação, pesca, etc., é melhor procurar nas fotografias.
A cidade de Xique-Xique, no médio São Francisco, se abastece de um braço do Velho Chico. Em 40 dias – se o rio não recuperar volume – terá seu abastecimento cortado. A calha central está há mais de trinta quilômetros da cidade. Portanto, Xique-Xique vai conhecer o que é um rio intermitente antes das demais cidades.
Abaixo, em Sobradinho, a defluência está em 1.100 metros cúbicos por segundo. As maiores balsas de transporte de passageiros entre Juazeiro e Petrolina estão encostadas no porto. Não há profundidade para sua navegação.
Gostaria de saber onde andam os políticos, os técnicos, o pessoal do governo que projetou a Transposição e nos diziam com arrogância em todos os debates que a defluência em Sobradinho era - com absoluta segurança - de 1800 metros cúbicos por segundo, portanto, a extração de água para a Transposição seria absolutamente insignificante. Onde será que eles estão?
Em terceiro, abaixo de Xingó, no Baixo São Francisco, a defluência também continua com 1.100 metros cúbicos por segundo, comprometendo até a produção de água para consumo humano e para a bacia leiteira de Alagoas. Sergipanos e alagoanos são os que pagam a conta de toda degradação e irresponsabilidade de quem destrói o São Francisco. Na foz, o mar já adentrou o rio em cerca de 50 quilômetros.
Hoje ainda se fala na Transposição, ela continua na mídia, por muitos considerada ainda como a redenção do Semiárido. Vamos respeitar a ignorância dessa afirmação, afinal o Nordeste e o Semiárido continuam desconhecidos para 90% dos brasileiros, mas vale lembrar que 40% do Semiárido brasileiro estão em território baiano, portanto, longe dos eixos da Transposição.
Quantos ainda falam da Revitalização? Alguém tem alguma notícia?
O São Francisco continua em processo de extinção rápida e fatal. Mesmo assim fala-se em projetos de 100 mil hectares de cana irrigada em Pernambuco, 800 mil hectares de cana irrigada na Bahia, Transposição para outros estados, assim por diante.
Certamente voltará a chover, o rio vai recuperar volume, mas, as secas serão cada vez maiores e mais constantes. A NASA, anos atrás, projetava que o São Francisco seria um rio intermitente em 2060. Realizamos a façanha de antecipar a projeção em mais de 40 anos. 

Texto de: Articulação Popular São Francisco Vivo

terça-feira, 22 de julho de 2014

Vai ter água para todo mundo?

Em 2014, o Estado de São Paulo entrou na maior crise hídrica de sua história. Com sucessivos recordes negativos desde que foram iniciadas suas medições, o Sistema Cantareira, responsável por 45% do abastecimento de água da maior região metropolitana da federação, atingiu suas maiores baixas justamente no verão, época em que mais deveria chover.
O paradoxo climático serviu de justificativa para as autoridades, que lamentaram a falta de chuvas e buscaram soluções apressadas para evitar o tão impopular racionamento. O imediatismo, no entanto, foi sentido pela população. Alguns bairros da cidade já sofrem com frequentes cortes d’água e, apesar do resgate do chamado volume morto, que elevou o nível do Cantareira em 18,5 pontos percentuais em maio, especialistas consideram questão de tempo até que se consuma a última gota do sistema. Ao contrário do tempo seco – atípico para esta época do ano – a crise de abastecimento de água já estava há anos anunciada.
Quando projetado na década de 1960, o Sistema Cantareira previu o abastecimento de água à Grande São Paulo até os anos 2000. Na outorga de 2004, documento assinado pela Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado) e pelo Consórcio PCJ (Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí), foi acordado que a companhia procuraria formas de reduzir sua dependência do sistema. Em outras palavras, o tempo seco apenas antecipou um problema que, cedo ou tarde, chegaria às torneiras e chuveiros dos paulistas.
Feito o retrospecto histórico, é necessário entender o complexo ciclo da água em uma região violentamente urbanizada. Não o ciclo natural, que todos aprendem nas escolas, mas o ciclo social, que envolve desigualdade, poluição, consumo, desperdício, grandes obras e desapropriações. O projeto 2000 e água, nome que faz referência ao colapso hídrico prenunciado para o novo milênio, propõe-se a contar a inquietante história de pessoas que vivem ou viveram a água em diferentes fases deste processo.
Acesse aqui a reportagem hipermídia “2000 e água”, sobre a crise hídrica de 2014 em São Paulo. O especial conta com vídeos, fotos, textos, entrevistas, infográficos e um mini-documentário. Confira!
Matéria original - 2000 e água
Fonte: Envolverde | 21/7/2014 - 12:01


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Crise de água em SP: outro sistema entra em colapso

Salvo uma reportagem ou outra, pouco tem sido dito sobre o “segundo front da seca” que ameaça São Paulo.
O Sistema Alto Tietê está secando cada vez mais rápido.
O sistema Alto Tietê, que também abastece a região metropolitana de São Paulo, está reduzido a 24,3% da capacidade. O Governo Estadual insiste em evitar racionamento e a mídia mantém inacreditável silêncio — mas a imagem é chocante.
O segundo maior complexo de reservatórios destinados ao abastecimento da Grande SP, que está servindo como “complemento” para áreas antes conectadas ao Sistema Cantareira, para reduzir a retirada de água na situação de emergência em que este se encontra, não está suportando nem o acréscimo inicial feito há meses e, muito menos, as novas sangrias feitas a partir do novo agravamento da crise.
O Tietê representa metade da produção do Cantareira e leva 15 m³/s à estação de Taiaçupeba.
A queda no sistema passou de 0,1% ( meio bilhão de litros) por dia para 0,2% e, nos últimos dias, já bateu em 0,3%, ou 1,5 bilhão de litros a menos, diariamente.
Restam 24,3% dos reservatórios, ou cerca de 100 bilhões de litros.
O estado da represa de Jundiaí é este que você vê aí na foto.
E a situação é o que descreve a repórter Sabrina Pacca, num relato do qual transcrevo um trecho de poucos dias atrás, publicado há dias:
“É desolador o cenário das cinco barragens que compõem o Sistema Produtor Alto Tietê (Spat). Uma imensidão de área, antes alagada, hoje vazia. A sensação, em alguns pontos, é de se observar um pântano. Em outros, de caatinga. Os peixes desapareceram, para desgosto dos pescadores. Moradores já se veem podendo usar, a pé ou a cavalo, antigas estradas que estavam debaixo d´água há mais de 20 anos e que, com a estiagem, reapareceram, a exemplo da barragem do Rio Jundiaí, onde a realidade é a mais impressionante delas.
Pela terceira vez, nesse semestre, a reportagem de “O Diário”percorreu as cinco represas do Spat. Elas nunca estiveram tão secas e as comunidades que vivem no entorno nunca estiveram tão assustadas. Parece que o temor pela falta de água nas torneiras tomou conta daquelas pessoas, mais próximas a essas paisagens angustiantes.
“Todo mundo deveria visitar aqui. A Prefeitura deveria fazer excursões. Só vendo o que a gente vê, todos os dias, para que se tome consciência de que a água vai acabar mesmo e que vamos sofrer demais. É o sinal do fim dos tempos e está na Bíblia. Não tem jeito, a gente tem que economizar, pelo amor de Deus”, rogou o borracheiro, Elias Souza Alves, de 55 anos, que trabalha às margens da represa de Taiaçupeba, em Jundiapeba, que tem uma área de inundação de 19,36 km². (…)”
Como se trata da água que vai abastecer uma “pequena cidade”, São Paulo, e pouquíssima gente, apenas 4,5 milhões de pessoas, a gente tem de recorrer ao bravo Diário de Mogi, onde trabalha a repórter, e a seu fotógrafo Edson Martins, para ver e entender o que está se passando.

Não é assunto para um Jornal Nacional, não é?

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Excursão à Fazenda Acangaú

Foto do grupo de excursão à Fazenda Acangaú, realizada em 31/05/2014, turma do 3º Período de Geologia.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Aprenda a Cuidar das Águas do Brasil

Para a Agência Nacional de Águas, preservar as águas do Brasil vai muito além das torneiras: a responsabilidade de garantir o uso sustentável dos recursos hídricos é de todas as pessoas e setores da economia que utilizam as águas dos mananciais.

A melhor forma de cada um cuidar deste importante recurso natural é participar de sua gestão. Para isso, é preciso conhecer a Lei das Águas, entender o que é uma bacia hidrográfica, o que é a outorga de direito de uso, entre outros conceitos e ferramentas.

Para explicar tudo isso e em celebração à semana do Dia Mundial do Meio Ambiente, a ANA lança seis cursos gratuitos a distância e uma série de dez animações que explicam os conceitos básicos para quem quer participar da gestão das águas e exercer seu poder de cidadão. 

Matricule-se nos cursos gratuitos da ANA. Clique em: www.aguaegestao.com.br  

Acesse os vídeos em: 


Assista, curta e compartilhe conhecimento.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Geologia e Meio Ambiente, artigo de Roberto Naime

 [EcoDebate] A geologia engloba todo estudo da Terra, inclusive a Tectônica de Placas ou deriva continental. Mas tradicionalmente se associa a geologia o estudo das rochas. Existem 3 grupos fundamentais de rochas na natureza: rochas ígneas ou magmáticas, rochas sedimentares e rochas metamórficas.
As rochas ígneas se formam do resfriamento e cristalização dos magmas, que são fusões de rochas que ocorrem na base da crosta terrestre ou no topo do manto. Este processo pode ocorrer em profundidade, quando as rochas se denominam plutônicas ou em superfície, quando são chamadas vulcânicas.
O resfriamento dos magmas em profundidade originando rochas plutônicas ocorre em milhões de anos e produz rochas com granulação grosseira, uma vez que os elementos químicos podem buscar pares com maior afinidade de tamanho de raio iônico ou eletronegatividade. Os exemplos mais comuns são o granito e o gabro.
Ao contrário, o resfriamento em superfície, através dos magmas que tem pressão suficiente para romper com os materiais superiores e atingir o espaço subaéreo, produz rochas de granulação fina, pois os elementos químicos não têm possibilidade de formarem grãos grandes. Estas rochas apresentam ainda planos de quebramento ou descontinuidade físicos, representados pelas diáclases que são quebramentos devidos ao choque térmico produzido pelo resfriamento rápido dos magmas. Os exemplos mais comuns são o basalto e o riolito.
Existem ainda rochas ígneas intermediárias, que sofrem resfriamento na porção média da crosta e exibem características mistas. Como exemplo são citados os diabásios.
As rochas sedimentares são a transformação dos sedimentos acumulados em rios, mares, lagoas e dunas, através do processo de diagênese em rochas sedimentares. Diagênese é o conjunto de transformações físico-químicas das rochas, que transformam os sedimentos em rochas sedimentares, com o soterramento dos materiais que propicia aumento de temperatura e pressão.
Existem rochas sedimentares resultantes da diagênese de materiais de granulação fina, denominadas pelíticas como argilito, siltito e folhelhos; rochas sedimentares de granulação grosseira como arenitos e conglomerados e rochas sedimentares de natureza química, precipitadas em corpos de água e depois diagenizadas, como calcáreos e ainda as diatomáceas e radiolaritos.
As rochas metamórficas são materiais de transformação das outras rochas em ambientes de elevada pressão e temperatura patrocinados pela Tectônica de Placas, principalmente nas margens destrutivas, de consumo ou subdução.
As rochas metamórficas desenvolvem deformações dos materiais para compensar os aumentos de temperatura e as elevações direcionais de pressão. Estas deformações produzem estruturas planares nas direções de menor pressão, que são denominadas xistosidades nas rochas de baixo grau e bandeamentos nas rochas de alto grau.
As rochas de baixo grau recebem este nome porque as transformações metamórficas ocorrem em nível epicrustal, com menor profundidade. Os exemplos são os xistos, filitos e ardósias.
As rochas de alto grau são transformadas em níveis crustais médios ou profundos, e os exemplos são o gnaisse, o migmatito e os mármores.
Existem ainda rochas metamórficas denominadas cataclásticas que se desenvolvem no interior das zonas de falhamentos ou quebramentos, quando os fenômenos ocorrem. Exemplos são o quartzo de falha, a brecha e o milonito.
De acordo com sua natureza genética, e em função de sua formação e desenvolvimento, as rochas desenvolvem características próprias que afetam os modelos ambientais de interação com o meio biológico e o meio antrópico.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.


EcoDebate, 03/06/2014

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Escassez de água desafia os negócios

 Disponibilidade de água doce ganha destaque entre riscos globais


Nos países de cor verde, o uso de água para a produção de bens de exportação ultrapassa o da água “embutida” nos produtos importados (exportação virtual líquida de água). Nos países que vão do amarelo ao vermelho, o contrário é verdadeiro (importação virtual líquida de água). A espessura das setas representa a quantidade comparativa de água comercializada.

A crescente escassez de água doce resultante do aumento da demanda e das mudanças climáticas está sendo considerada cada vez mais um grande risco para a economia global. A conscientização dos consumidores, iniciativas do setor privado, regulamentações governamentais e investimentos direcionados são urgentemente necessários para avançar rumo ao uso sustentável da água.

Recentemente, o Fórum Econômico Mundial listou a escassez de água como um dos três riscos sistêmicos globais mais preocupantes. A avaliação está baseada em uma ampla pesquisa global sobre a percepção de risco entre representantes de empresas, do mundo acadêmico, da sociedade civil, de governos e organizações internacionais1.

A escassez de água doce não se manifesta apenas através de lençóis freáticos minguantes, fluxos fluviais reduzidos, lagos que encolhem e águas altamente poluídas, mas também se reflete no aumento dos custos de abastecimento e tratamento, fornecimentos intermitentes e conflitos por causa de água. No futuro, essa escassez aumentará em virtude de vários fatores: crescimento populacional e econômico; demandas crescentes de produtos de origem animal e biocombustíveis; e mudanças climáticas2.

Melhorias na eficiência do uso da água podem desacelerar o aumento de sua demanda, mas particularmente na agricultura irrigada elas provavelmente serão contrabalançadas por um aumento da produção. Da mesma forma, embora o armazenamento de água e a infraestrutura de transferência melhorem a disponibilidade, eles também permitem o contínuo crescimento da demanda. A mudança climática provavelmente intensificará a magnitude e frequência de secas e enchentes.

O esperado aumento na variabilidade climática agravará o problema da escassez em períodos de estiagem, reduzindo a disponibilidade de água e aumentando a demanda devido a temperaturas mais altas e a necessidade de compensar a ausência de chuvas3. Mas o setor privado está se conscientizando do problema da escassez de água doce.

O risco da água

A escassez e poluição da água constituem um risco físico para empresas ao afetarem suas operações e canais de abastecimento4. Elas também enfrentam a ameaça de regulamentos mais rigorosos. Mas que formas essas normas poderão ter — por exemplo, preços mais altos da água, cotas reduzidas, licenças de emissão mais severas ou a adoção mandatória de tecnologias para economizar água — ainda não está claro.

Além disso, marcas enfrentam um risco de reputação, porque o público e a mídia estão se conscientizando cada vez mais de que muitas empresas contribuem para o uso insustentável da água5. Mesmo empresas que operam em regiões onde há fartura de água podem ser vulneráveis à escassez, porque as cadeias de abastecimento/distribuição da maioria delas se estendem ao redor do mundo. Estima-se que 22% do consumo global de água e sua poluição estejam ligados à produção de bens de exportação6.

Países como os Estados Unidos, Brasil, Argentina, Austrália, Índia e China são grandes exportadores virtuais de água, porque eles usam intensivamente recursos hídricos nacionais para produzir commodities de exportação (ver o mapa). Comparativamente, nos países da Europa, do Norte da África, Oriente Médio, México e Japão, predomina uma importação virtual de água; ou seja, eles dependem de bens de importação produzidos com recursos hídricos de outros lugares. O uso de água “embutido” nesses produtos muitas vezes não é sustentável, porque muitas regiões exportadoras superexploram seus recursos.

Muitas empresas, especialmente multinacionais, já começaram a avaliar seus riscos de água e no futuro próximo podemos esperar que um número crescente delas desenvolva estratégias de respostas. Na melhor das hipóteses, porém, isso só aliviará parcialmente o problema da escassez.

Uma perspectiva crítica é que o engajamento corporativo na questão da água é uma tentativa cínica das empresas para estender seu controle sobre esse recurso ou apenas um esforço para manter uma imagem favorável de marca7. Um panorama mais otimista é que cada vez mais empresas estão genuinamente preocupadas com a crescente escassez de água e estão procurando estratégias mitigantes; ainda assim, é improvável que economias mudem estruturalmente sem regulamentações governamentais.

A razão para isso é que a água é um bem público, vulnerável ao comportamento oportunista, e tanto sua escassez como sua poluição permanecem sem etiquetas de preço. Em muitos países o uso da água é subsidiado, seja através de investimentos governamentais diretos em infraestruturas de abastecimento ou indiretamente através de subsídios agrícolas, promoção de culturas para gerar bioenergia ou subsídios de energia fóssil para bombear água.

Gerenciamento de água

Administrar o risco de água geralmente é confundido com uma boa gestão da água. O primeiro pode contribuir para o segundo, mas o gerenciamento implica em mais que apenas administrar o risco de água. Ele inclui avaliação da sustentabilidade de seu uso em toda a cadeia de valores, formulação do consumo e metas de redução da poluição para as operações da empresa e sua cadeia de abastecimento, implementação de um plano para atingir essas metas e fornecimento adequado de informações sobre tudo isso.

Em reservatórios de coleta prioritários, é preciso adotar o exercício da ação coletiva e o engajamento da comunidade8,9,10. Grandes bacias fluviais prioritárias são, por exemplo, as dos rios Colorado e San Antonio, na América do Norte; o lago Chade e as bacias dos rios Limpopo e Orange, na África; as bacias dos rios Jordão, Tigre, Eufrates, Indo, Ganges, Krishna, Cauvery, Tarim, Amarelo e Yongding na Ásia e no Oriente Médio; e a bacia Murray-Darling na Austrália11.

Para a maioria das empresas rumar para uma cadeia de abastecimento sustentável é um desafio muito maior que adotar estratégias ecologicamente corretas em suas próprias operações, porque a pegada hídrica da cadeia de produção muitas vezes é até 100 vezes maior que a pegada operacional, podendo ser influenciada apenas indiretamente.

Metas comuns de redução na indústria de bebidas, como passar de 2 para 1,5 litro de consumo de água na fábrica de envasamento por litro de bebida, têm pouco efeito em larga escala, porque a pegada hídrica da cadeia de produção da maioria das bebidas é da ordem de 100 litros de água por litro de bebida, ou até mais12.

Empresas deveriam se esforçar para alcançar uma pegada hídrica zero em operações industriais, o que é viável através da eliminação das perdas por evaporação, da reciclagem completa da água e da recuperação dos produtos químicos e do calor de fluxos de água utilizada.

O problema não é o uso da água, mas o fato de que ela não ser totalmente devolvida ao meio ambiente ou não ser devolvida limpa. A pegada hídrica mede exatamente isso: o uso consumista e o volume de água poluída.

Como as últimas etapas rumo a uma pegada hídrica zero podem exigir mais energia, o desafio será encontrar um equilíbrio entre a redução das pegadas hídrica e de carbono. Além disso, empresas deveriam fixar metas de redução das pegadas hídricas de suas cadeias de abastecimento, especialmente em áreas de grande escassez e em casos de baixa produtividade de água.

Na agricultura e na mineração, alcançar uma pegada hídrica zero geralmente será impossível, mas em muitos casos o consumo e a poluição de água por unidade de produção poderiam ser fácil e substancialmente reduzidos13.

Informação e transparência

O crescente interesse em como empresas se associam ao uso insustentável da água exige maior transparência quanto ao seu consumo e poluição. Essa abertura é necessária em níveis diferentes: o da empresa, do produto e da instalação.

Impulsionadas por organizações ambientais e pela comunidade de investimentos, as empresas estão sendo cada vez mais pressionadas a revelar dados relevantes sobre como elas se relacionam com os riscos hídricos14.

Ao mesmo tempo, há uma crescente demanda por transparência sobre os produtos através de rótulos e certificados. Apesar da existência de uma infinidade de selos ligados à sustentabilidade ambiental, nenhum deles inclui critérios sobre a utilização sustentável de água.

Por fim, existe um movimento para desenvolver sistemas de princípios e certificados para um local sustentável ou o gerenciamento de uma instalação, como as iniciativas da Parceria Hídrica Europeia e da Aliança paraAdministração de Água (AWS, na sigla em inglês). Mas, apesar do progresso na conscientização, até agora praticamente nenhuma empresa do mundo fornece informações sobre o consumo e a poluição de água em sua cadeia de abastecimento, nem revela dados sobre a sustentabilidade da pegada hídrica de seus produtos.

Existe muita confusão sobre o que precisa ser medido e informado.

Tradicionalmente, as empresas têm se concentrado no monitoramento das retiradas brutas de água e no cumprimento dos padrões legais. No entanto, a retirada líquida (a parte da retirada bruta que não retorna ao local de onde foi tirada, muitas vezes denominada “uso consumista de água” ou “pegada de água azul”) é mais relevante que a retirada bruta.

Além disso, atender aos padrões de qualidade de águas residuais não basta para descartar a contribuição da empresa para a poluição da água. Quanto aos padrões de terminologia e cálculos, a Water Footprint Network, uma rede global de universidades, organizações não-governamentais, empresas, investidores e organizações internacionais, desenvolveu o padrão da pegada hídrica global15.

A Organização Internacional de Padronização (ISO, na sigla em inglês) está desenvolvendo um padrão de relatórios com base na avaliação do ciclo de vida16. Os dois critérios enfatizam a necessidade de incorporar a variabilidade temporal e espacial em pegadas hídricas e a necessidade de considerá-las no contexto da escassez e produtividade local da água.

Na prática, as empresas enfrentam um desafio enorme em rastrear sua cadeia de abastecimento. Empresas do setor de vestuário, por exemplo, geralmente têm pouca noção de onde seu algodão é cultivado ou processado, mas as duas atividades são notórias consumidoras e poluidoras de água. É difícil ver um progresso rápido no campo das informações sobre a cadeia de abastecimento se os governos não forçarem as empresas a fazer isso.


Apesar dos esforços positivos empreendidos por várias empresas, é improvável que o setor empresarial como um todo se autorregule o suficiente por conta própria. Há uma necessidade urgente de regulamentação governamental e cooperação internacional.

Governos deveriam desenvolver limites mensais de pegadas hídricas para todas as bacias fluviais do mundo a fim de garantir o uso sustentável da água dentro de cada uma dessas áreas12. Um limite de pegada hídrica determina um volume máximo de água que pode ser destinado para diferentes fins competitivos, respondendo pela necessidade de água ambiental e variabilidade climática. Esse limite também estabelece a poluição máxima de água, dada a capacidade de assimilação da bacia. Em algumas delas esses limites provavelmente serão reduzidos com o tempo se a mudança climática acarretar uma diminuição da disponibilidade de água.

O volume total destinado a usuários específicos por meio de licenças hídricas deveriam permanecer abaixo do nível máximo sustentável. Além disso, ao concederem certas licenças, os governos deveriam levar em conta o que significa uso razoável de água.

Precisamos estabelecer padrões de medição de pegadas hídricas para produtos intensivos em água, como alimentos e bebidas, algodão, flores e biocombustíveis.

O padrão de referência para um produto dependerá do consumo máximo razoável de água em cada etapa de sua linha de produção, com base na melhor tecnologia e prática disponíveis. Desse modo, produtores que utilizam água, governos que alocam cotas de água e fabricantes, varejistas e consumidores finais na extremidade inferior da cadeia de abastecimento compartilham informações sobre o que são “pegadas hídricas razoáveis” para várias etapas do processo de produção e os produtos finais. Por último, os usuários deveriam pagar por sua poluição e desperdício de água, com um preço diferenciado no tempo e no espaço baseado na vulnerabilidade e escassez da água.

Futuros desenvolvimentos

A tecnologia necessária para utilizar os recursos hídricos de forma mais eficiente está disponível e os custos envolvidos não são proibitivos na macroescala. Um estudo17 estimou que até 2030 o investimento de capital incremental global necessário para fechar a lacuna da disponibilidade de recursos hídricos seria inferior a 0,1% do atual produto bruto mundial.
O desafio é criar incentivos para os investimentos necessários, particularmente para aumentar o rendimento de culturas alimentadas por chuvas e a produtividade da água na agricultura irrigada.

A combinação de desafios e o aprimoramento da eco-eficiência deverão definir limites para o contínuo aumento da demanda de água para produzir carne e biocombustíveis, e se adaptar aos padrões mutantes de escassez de água.

Outro estudo18 constatou que mudanças induzidas pelo clima na evaporação, precipitação e no escoamento superficial resultarão em um aumento de 40% no número de pessoas que vivem em condições de absoluta escassez de água (com uma disponibilidade inferior a 500 m3/ano).

Regiões pobres em água, como o oeste dos Estados Unidos, o noroeste da Índia, norte da China e sudeste da Austrália, ainda aplicam grandes volumes de água para produzir commodities de exportação, enquanto o norte da Europa, rico em água, importa muitos bens de consumo intensivos em água6.

Padrões variáveis de disponibilidade de água influenciarão os futuros modelos espaciais de produção e comércio de alimentos, rações animais e biocombustíveis, e criarão novas dependências geográficas de recursos hídricos.

Biografia do autor

Arjen Y. Hoekstra é professor de gerenciamento de água no Centro Hídrico de Twente, Universidade de Twente, Caixa Postal 217, 7500 AE Enschede, Holanda. *e-mail: a.y.hoekstra at utwente.nl

Este artigo foi reproduzido com permissão da Nature Climate Change. Ele foi publicado originalmente em 25 de abril de 2014. Republicado no Brasil por Blog Era da Água .

REFERÊNCIAS
1. WEF Global Risks 2014 (World Economic Forum, 2014).
2. Ercin, A. E. & Hoekstra, A. Y. Environ. Int. 64, 71–82 (2014).
3. Haddeland, I. et al. Proc. Natl Acad. Sci. USA 111, 3251–3256 (2014).
4. Orr, S. et al. Assessing Water Risk: A Practical Approach for Financial Institutions (WWF & DEG KFW Bankengruppe, 2011).
5. Kelly, P. Nature Clim. Change 4, xxx–yyy (2014).
6. Hoekstra, A. Y. & Mekonnen, M. M. Proc. Natl Acad. Sci. USA 109, 3232−3237 (2012).
7. Hepworth, N. Water Alternatives 5, 543–562 (2012).
8. Sarni, W. Corporate Water Strategies (Earthscan, 2011).
9. Simpson, P. Nature Clim. Change 4, xxx–yyy (2014).
10. Wales, A. Nature Clim. Change 4, xxx–yyy (2014).
11. Hoekstra, A. Y., Mekonnen, M. M., Chapagain, A. K., Mathews, R. E. & Richter, B. D. PLoS ONE 7, e32688 (2012).
12. Hoekstra, A. Y. The Water Footprint of Modern Consumer Society (Routledge, 2013).
13. Brauman, K. A., Siebert, S. & Foley, J. A. Environ. Res. Lett. 8, 024030 (2013).
14. CDP Global Water Report 2013: A Need for a Step Change in Water Risk Management (CDP, 2013).
15. Hoekstra, A. Y., Chapagain, A. K., Aldaya, M. M. & Mekonnen, M. M. The Water Footprint Assessment Manual: Setting the Global Standard (Earthscan, 2011).
16. Draft International Standard ISO/DIS 14046.2: Environmental Management – Water Footprint – Principles, Requirements and Guidelines (International Organization for Standardization, 2013).
17. Addams, L., Boccaletti, G., Kerlin, M. & Stuchtey, M. Charting our Water Future: Economic Frameworks to Inform Decision-Making (2030 Water Resources Group, 2009).
18. Schewe, J. Proc. Natl Acad. Sci. USA 111, 3245–3250 (2014).
Por Arjen Y. Hoekstra e Nature Climate Change

Fonte: Scientific American | Abril - 2014
Atenção: Os links deste artigo foram inseridos pelo blog.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Revista Cidadania e Meio Ambiente

Atenção, grupos do Seminário Água e Clima!

Em comemoração do Dia Mundial da Água, o Portal Ecodebate, lançou a edição nº 50 da revista Cidadania e Meio Ambiente totalmente dedicada á água.

Acessem o link: http://pdf.ecodebate.com.br/rcman50.pdf e façam o download.

Além da edição nº 50, você poderá acessar todas as demais edições da revista Cidadania e Meio Ambiente. Recomendo especialmente a edição nº 41, que pode ser acessada em http://pdf.ecodebate.com.br/rcman41.pdf.

Bons estudos!